O comércio mundial acontece, simultaneamente, de duas maneiras. A primeira é pelo comércio regionalizado, que ocorre pelo fluxo de mercadorias, serviços e capitais entre países componentes de um bloco econômico. A segunda é pelo comércio multilateral, que ocorre de maneira mais geral através das relações de importação e exportação entre países que não compõem um mesmo bloco. É o comércio que não está atrelado ao regionalismo proposto pela criação de blocos econômicos.
Surgimento da OMC
O comércio multilateral começou a tomar forma somente a partir da Segunda Guerra Mundial, quando os países do globo começaram a discutir a necessidade da criação de uma entidade responsável por regulá-lo. Este sentimento era sustentado pela crença que o grande protecionismo realizado pelos países no período entre-guerras, este justificado pelo contexto de caos econômico proporcionado pela Crise de 29, seria um dos responsáveis pelo conflito.
Por protecionismo entende-se qualquer tipo de medida que determinado país adota com objetivo de privilegiar sua produção interna em detrimento dos produtos importados de outros países. As tentativas de diminuir estas políticas foram o ponto central das discussões para a criação de uma entidade reguladora do comércio multilateral.
Na reunião de Bretton Woods, a mesma da qual resultou a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi definido a instauração da Organização Internacional do Comércio (OIC). Porém, a criação desta organização não teve a adesão esperada, sendo rejeitada por muitos países, entre eles os EUA. Com isto, a saída encontrada foi a realização de um acordo provisório, que ficou conhecido como Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), que foi assinado por apenas 23 países, entre eles o Brasil.
Ainda que de caráter provisório, o Gatt acabou durando até 1995 e promoveu alguns avanços no que diz respeito ao comércio multilateral. Entre eles, o Gatt conseguiu a diminuição das tarifas alfandegárias e instaurou um importante princípio, denominado Princípio de Não-Discriminação, que proibiu o tratamento diferenciado aos países signatários do acordo. Em 1995, a partir de conversas que se iniciaram em 1986 no Uruguai, o Gatt se transformou em OMC (Organização Mundial do Comércio), a partir da constatação que o acordo de 1944 não estava mais de acordo com a nova lógica do comércio global.
Em verde, membros da OMC. Em azul, membros representados em conjunto pela União Europeia. Em amarelo, países observadores e em vermelho, países não membros. Imagem por BlankMap. |
Funcionamento e princípios
Na prática, a formação da OMC oficializou os princípios do Gatt, ao mesmo tempo que o expandiu. Sendo um acordo provisório, o Gatt podia ser facilmente burlado por decisões unilaterais dos países signatários. Com a instauração da OMC, o não cumprimento das obrigações passou a resultar em punições para os países-membros, que envolvem, inclusive, sansões comerciais.
Além disso, notavelmente o acordo de 1944 não era compatível com a nova dinâmica do mercado, como dito acima. O Gatt geria apenas a movimentação de produtos e bens, ignorando os serviços, como o turismo, as telecomunicações e os seguros, e as propriedades intelectuais. Esta lacuna foi preenchida pela OMC através da instauração do Gats (General Agreement on Trade in Services), acordo voltado ao comércio de serviços, e do Trips (Agreement on Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights), voltado aos direitos de propriedade intelectual.
A respeito dos seus princípios básicos, muitos foram herdados do Gatt. Hoje, somam cinco:
– Não discriminação: princípio básico da OMC. Define que um país deve estender aos demais membros qualquer privilégio concedido a um deles (também chamado de princípio da nação mais favorecida). Também visa impedir o tratamento diferenciado de produtos nacionais e importados (também chamado de princípio do tratamento nacional).
– Previsibilidade: define a garantia de previsibilidade das normas instituídas pelos países-membros, impedindo a insegurança dos operadores do comércio mundial nas atividades de importação e exportação. É sustentada pela definição de compromissos tarifários.
– Concorrência legal: visa combater práticas nocivas à concorrência comercial entre os países, como o dumping¹ e os subsídios.
– Proibição de restrições quantitativas: proíbe o estabelecimento de quotas ou proibições para importação de determinados produtos. Por exemplo, o país X fixa uma regra que apenas 20% do produto A comercializado internamente pode vir de outro país, garantindo os outros 80% para os produtos nacionais.
– Tratamento Especial e Diferenciado para Países em Desenvolvimento: estabelecimento de políticas comerciais em prol dos países em desenvolvimento, políticas estas que deveriam ser respeitadas pelos países ricos.
Fonte: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços
As rodadas
De tempos em tempos, a OMC organiza reuniões, conhecidas no Brasil como rodadas, com o objetivo de discutir as políticas que envolvem o comércio mundial. Até o momento, já foram realizadas nove destes encontros, também chamados de Conferências Ministeriais. São eles: Singapura (1996); Genebra (1998); Seattle (1999); Doha (2001); Cancun (2003); Hong Kong (2005); Genebra (2009); Genebra (2011); Bali (2013) e Nairóbi (2015).
Duas destas rodadas devem ser destacadas: a de Seattle, em 1999, e a de Doha, em 2001. A rodada de Seattle ficou conhecida como Rodada do Milênio, pois teria como objetivo definir os rumos do comércio multilateral no novo milênio. Porém, acabou fracassando, principalmente por conta dos protestos promovidos por grupos contrários ao modelo de globalização vigente, entre eles ambientalistas, sindicados e ONG’s.
Já na rodada de Doha, além da incorporação da China e de Taiwan à organização, houveram algumas resoluções de importância. Entre elas, pode-se citar a quebra de patentes de medicamentos para a produção de genéricos em países pobres, o comprometimento de uma abordagem ambiental e sustentável do desenvolvimento econômico pelos países-membros e, talvez a resolução mais polêmica, o acordo entre os EUA e a União Europeia de reverem suas políticas protecionistas em vários setores, em especial na agricultura.
Entenda melhor as políticas agrícolas protecionistas dos EUA e da União Europeia. Acesse:
Política agrícola comum europeia.
Os belts e a política agrícola estadunidense.
Este último ponto, uma grande reivindicação dos países em desenvolvimento, na prática, nunca foi cumprido. EUA, União Europeia e Japão são acusados de oferecerem subsídios aos agricultores com o objetivo de baratear os preços dos produtos nacionais frente aos importados, geralmente provenientes de países em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia e países africanos.
Desta forma, a rodada de Doha continua em discussão até os dias de hoje, estando, de certa forma, esquecida. As nações do mundo desenvolvido agora buscam inserir novos assuntos nas conferências ministeriais, visando enterrar as discussões acerca dos subsídios agrícolas. Entre estas novas questões, destaca-se a discussão ambiental e do comércio eletrônico. As nações que têm a exportação de produtos agrícolas como um setor importante em sua economia relutam em deixar as resoluções da rodada para trás e ainda buscam pelo seu cumprimento integral pelos países ricos. Tal entrave tem favorecido cada vez mais o comércio regionalizado, em detrimento do comércio multilateral.
¹ Dumping: prática, realizada por alguns países, de colocar no mercado produtos com valor abaixo do mercado.
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